Angola foi uma colónia portuguesa até 1975, tendo sido nas últimas duas décadas de soberania lusa, o território que mais desenvolveu a imprensa, deixando um legado importante no campo do humor gráfico. Se em 1975 conquistaram a independência, não conseguiram internamente recuperar a liberdade de expressão, a paz, a tranquilidade e o desenvolvimento do seu povo. A intolerância, as perseguições e a falta de sentido de humor dos «senhores da guerra» governantes, passados quase meio século ainda se mantêm.
No âmbito do humor gráfico, nomes importantes neste caminho são Rui Galhanas, Filomeno Moreira, Henrique Abranches, Lito Silva, Carlos Alves, Francisco Carnoth, Milton Panzo, Olimpo Sousa… mas Sérgio Piçarra acaba por se destacar nos últimos 30 anos como paladino dessa luta pelo direito ao humor gráfico, pela liberdade de criticar a corrupção, o oportunismo. Em 2020, esse seu trabalho foi distinguido com o prémio franco-alemão «Dos Direitos Humanos e do Estado de Direito». O prémio é atribuído a pessoas «que contribuíram de modo excecional para a proteção e promoção dos Direitos Humanos e do Estado de Direito nos seus países e a nível internacional». Paralelamente publicou mais um álbum com o anti-heroi Mankiko – o imbumbável – «Agarra Marimbondo».
Para que tenhamos uma imagem do que se vive em Angola daremos a palavra ao artista: «Em Angola vivemos uma situação muito complexa, ao nível daquilo que são as liberdades, no geral, e, em particular, a liberdade de imprensa e de expressão. Portanto, o meu cartoon, em particular, assume a dimensão de activismo, quando noutros países do mundo seria apenas uma mera expressão de opinião do artista. Não obstante a Constituição da República referir que somos um Estado de direito democrático, o que a gente vê na prática é completamente contrário. Há muitos truques para contornar este Estado de direito democrático, essencialmente na questão da imprensa pública que é paga pelos nossos impostos e, no fim de tudo, somos manipulados por ela. Portanto, se estes pressupostos não estão a ser cumpridos, naturalmente que os direitos humanos estão a ser gravemente feridos. E esta é uma das minhas grandes preocupações que expresso no meu trabalho sempre que posso.
Neste momento, aqui em Angola, temos tido uma série de eventos sociais, como manifestações, e quando a gente liga a televisão, o que se vê são factos manipulados. E isso é quase uma repetição daquilo que vivemos no regime passado [de José Eduardo dos Santos] e que pensávamos que já não iriamos ver mais. E isto é o que mais preocupa, porque neste momento estamos a ver recuos muito graves noutras áreas e, sobretudo, na questão da liberdade de expressão. Preocupa-me ainda que aqui em Angola não existam mais cartoonistas, porque todo o contexto não é convidativo para que os jovens cartoonistas se aventurem nesta área da crítica aos políticos, pois sabem que, de alguma forma, vão ter problemas».
Desenho de Sérgio Piçarra (Angola)
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