Descortinando diálogos saudáveis, que mantivemos durante alguns anos em sua casa, junto à antiga Farmácia Fonseca, que seu pai José Maria da Silva (1914/1993) geriu durante largos anos, e também em passeio pelas ruas dos nossos lugares, sentimo-nos hoje honrados por podermos dizer convictamente que valeram a pena as conversas, os trocadilhos, sempre em redor da nossa terra, do nosso passado, das nossas amizades…
Aprendemos muito com este grande amigo lousanense, homem sem vaidade, sempre preocupado com a pobreza, com o património da nossa terra, com o futuro do Trevim e da sua cooperativa, dos quais foi cofundador, sendo depois diretor do jornal quando era semanal.
“Carlitos (forma simpática de nos tratar), eu não fui apenas um estudante dedicado como possas imaginar, mas também um futrica!” Nós, íamos sustentando opinião diferente, mas o nosso amigo doutor, franco e educado como era, confirmava essa irreverência. “O meu pai passava-se! Hoje, tenho este grau académico que ele financiou, contudo, eu jamais deixarei de ser eu próprio…”
João Poiares da Silva nasceu no Largo da Graça, junto ao antigo quartel dos bombeiros lousanenses, a 24 de setembro de 1943. Lembrava o silvo estridente da sirene, mesmo encostada ao seu quarto. “Aquilo era horrível, especialmente de noite quando o sono era profundo!” Não raras vezes recordava os amigos de infância, com quem brincava como outro garoto qualquer. João Artur Lopes, António Bastos ou José Biscaia Gomes (1942/2009) entre outros, fizeram parte de sua súcia, no bom sentido do vocábulo.
Amistosamente visto, o seu título académico não existia, fazendo cortesmente uso de uma peculiar humildade. Pelo menos connosco era assim…
Era neto de João Mateus Poiares (1897/1972), destacado maestro da Filarmónica Lousanense. Sua avó materna, Guilhermina Augusta Tomathi (1895/1979), era de ancestralidade italiana, de técnicos papeleiros que vieram então laborar na fábrica do Prado ao Penedo. Pertencem também a esta família os nossos amigos Normélia e António Matos.
João Silva considerava-se um homem de laboratório e, como microbiologista que foi, vivia algo apreensivo, face ao elevado risco da bacilemia, que ele melhor que ninguém conhecia. Como especialista em análises clínicas, foi coordenador de vários projetos, concluído a licenciatura em Farmácia na Universidade do Porto em 1967. Quatro anos após, foi mobilizado para o serviço militar na então colónia de Timor-Leste, como oficial miliciano, regressando à sua adorada Lousã no ano de 1973. Avançou então com a criação de um laboratório de análises clínicas e prosseguiu a carreira académica na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, onde foi professor e investigador, com doutoramento na especialidade de Microbiologia e Parasitologia.
A sua vivência como professor e “lousanizador”, associativista, músico e contador de histórias serranas, amigo do seu amigo, termina a 9 de junho de 2021, com 77 anos, num dia de nuvens escuras, sob o céu da nossa querida terra…
Grande amigo, sentimos imenso a tua falta…
Carlos Ramalheiro
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