Camões! Obra eterna, vida transcendente, mostrando o homem perante o infortúnio, sedento de amor, de sensibilidade subtil, criatividade divina, joguete da pouca sorte, ávido de reconhecimento e justiça!
Português intemporal, nome grande da poesia clássica mundial, génio de cultura notável, grande parte absorvida na Universidade de Coimbra, onde D. Bento de Camões (seu tio) era chanceler e cónego de Santa Cruz, cujos claustros foram lugar de estudos.
Conheceu os homens e o mundo e respirava patriotismo e amor, sofrendo miséria e fome e colhendo dos seus contemporâneos a indiferença pela sua escrita, na singularidade de eternizar os portugueses e a portugalidade.
Com ele, chegamos a todas as universidades do mundo onde se estuda o Renascimento. Dono de uma cosmovisão que a sua experiência alicerçou dia a dia, com uma “vida pelo mundo em pedaços repartida” – Ceuta, mares do Oriente, Moçambique – o nosso maior vate transcende limites temporais e físicos, com a sua lírica que canta encantos femininos, o amor que lhe fugiu, a natureza, o desconcerto do mundo, a mudança, a sensualidade…Gratidão a Zeca Afonso, que o cantou (“Verdes são os campos”) e a José Mário Branco (“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”).
A nível epopeico, a par de cantar “o peito ilustre lusitano/A quem Neptuno e Marte obedeceram”, também mostra o seu lado de anti-herói, numa crítica humanista intemporal, alojada na dualidade humana, referindo a ambição, a ganância, a vaidade, a preguiça, a arrogância, a iliteracia, porque “quem não sabe arte não na estima”. Defende, ao invés, o imperioso “caminho da virtude, alto e fragoso/ Mas no fim doce, alegre e deleitoso”.
Muito se desconhece ainda da sua vida pessoal. Este ano, numa inesperada aliança da ciência e da literatura, a Astronomia chegou ao ano do seu nascimento, a partir do soneto “O dia em que nasci moura e pereça (…) “ , recuando a partir de 10 de junho de 1580, dia da sua morte, foi encontrada a data de 23 de janeiro de 1524, com um eclipse do sol, condizendo com os 56 de vida deste génio que “..viveu pobre e morreu pobre.”, como podia ler-se na lápide que um nobre seu amigo, mandou colocar no lugar onde parece ter sido enterrado, junto à igreja de Sant’Ana.
Invejado por muitos nobres, de feitio às vezes quezilento, perseguido, sem dinheiro para regressar à P´pátria e ao consegui-lo, viveu das esmolas que o seu Jau pedia pelas ruas da capital, para ambos sobreviverem!
Nos 500 anos da sua existência, as autoridades falharam a homenagem condigna…; o exame do 9º ano contemplou-o, através da escrita magistral de Natália Correia; a Imprensa Nacional editou uma moeda comemorativa onde Camões, num design que o agride e humilha ( rosto sem boca, como se fosse estrangulado o seu grito por socorro). Falta um programa que o dê a conhecer ao povo português que, como dizia Torga, “gravou na casca do tempo” cada momento da sua vida.
Anda por aí à espera de lhe reconhecerem a sua atualidade, pois continuamos a amar e a censurar as mesmas realidades que amou e censurou. Anda por aí, em cada leitura, à espera que finalmente lhe seja feita justiça, num reconhecimento ao nível do seu perfil literário e humano, continuando a ensinar-nos que “O amor é um fogo que arde sem se ver”, que “…a fortuna injusta é mais que os erros”, que continuamos a lutar “:::em bravo mar, perdido o lenho”, e que também a nós nos leva tantas vezes “…o vento a voz” que “ao vento” deitamos,, como “…gente surda e endurecida…no gosto da cobiça e na rudeza duma austera, apagada e vil tristeza…”
Perdoa-nos a ingratidão, querido Camões!
0 Comentários