Na nossa Lousã de antanho, o carrear fazia parte do quotidiano daqueles homens que trabalhavam a terra, em parte sob o domínio do rico e a exposta obrigatoriedade das bocas a sustentar, extensiva vez a vez a quatro gerações, cenários que viajam connosco no tempo e repousam com renitência no nosso arquivo cerebral! O monopólio do rico era o “Santo Lenho” do homem pobre, pois já o padre António Vieira (1608/1697) sermonava: “Os pobres, dão pelo pão o trabalho, os ricos a sua fazenda.”
José Simões, mais conhecido na nossa terra por José da Fonte, epíteto sequentemente conduzido a seus filhos, José, Mário, Luísa e João, foi um homem “alouzanado” em todos os pontos honrosos. Sério e humano na conduta com os animais, mereceu sempre a nossa infantil e redobrada atenção. Seu farto bigode à literato, se recordarmos o portuense Raul Brandão (1867/1930), foi um característico apetrecho do seu tisnado rosto, que jamais esquecemos! Ao contrário de hoje, estes homens do passado não possuíam mãos mimosas, quando muito, o coração…. Eram formados na escola impiedosa da vida, onde a rabiça do arado e a soga ensebada pelo suor tomavam conta do calejamento das mãos e da alma. A célebre frase “Eixe boi”, era o rufo afetuoso de incitamento ao animal, supremo mealheiro do lar…
José da Fonte, casado com Maria José Lopes (a ti Maria Zé), assumia então como feitor o chamado amanho da fazenda na Quinta de Santo António, pertença de Fernando Pais de Almeida e Silva (de Chã do Couce) e esposa, Maria da Conceição Magalhães Machado. Como era apanágio nesse tempo, em esboços que o próprio Estado Novo desenhava, estes senhorios impunham como dever um tratamento doutoral. Era a opulência a vexar a indigência e tudo estava certo nessa época. Até a própria divisão da colheita, revertia impiedosamente a favor do senhorio. José e Maria, iletrados como sabemos, viviam com os filhos dentro dessa quinta, onde existia um enorme tanque de rega e uma fonte que ainda hoje existe, de onde brotou o apelido Zé da Fonte. A água provinha de uma mina, situada algo acima, onde hoje existe a ARCIL.
Maria Luísa Simões, filha de João da Fonte, explica assim o seu avô: “Era uma pessoa alegre e rígida como outros homens do seu tempo. Ao domingo, subia acima ao Cabo do Soito, à taberna do Sr. Malhado, para beber uns copos e jogar o fito com os amigos. Era o único dia livre da semana. Era deveras dura a luta pela subsistência. Quantas vezes, roçando o desumano, transportava com os bois, pela antiga estrada da Castanheira, enormes pipas de vinho e outras matérias, daí ter conhecido bem a ti Joaquina da Catraia (1844?/1940), à qual recorria em horas aflitivas. Muitas vezes adormecia sentado no carro, mas os bois lá seguiam, pois conheciam bem o caminho.”
Zé da Fonte, nasceu na Lousã no ano de 1895 e aqui faleceu, em abril de 1979.
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