“As águas correm turvas” (II)
Agregar. Privatizar. Intermunicipalizar. Internacionalizar. Palavras-chave usadas com discrição pelos decisores políticos, invocando conceitos pós-modernos e/ou dificuldades de acesso a fundos comunitários e/ou esgrimindo ganhos de economia de escala, procurando justificar decisões/argumentos discutidos à revelia dos consumidores da Água Pública, simultaneamente cidadãos, clientes, contribuintes e eleitores.
Em Expresso.pt/economia/2021-01-11-DST, um texto assinado por Margarida Cardoso, refere que “a portuguesa Aquapor, líder na gestão das águas municipais em Portugal do grupo DST, foi comprada pelos franceses da SAUR.” E acrescenta: “com a Aquapor em Portugal, a Gestágua e a Emalsa em Espanha no mesmo grupo, a SAUR torna-se o terceiro operador nesta área, da Península Ibérica.”
Já António Cunha, presidente da Áquapor, em entrevista ao Semanário Expresso – 11/12/20 – conduzida pelo jornalista Miguel Prado, proclamava: “É uma vergonha os municípios perderem 60% a 70% da água. Isso resolve-se com engenharia, contadores, deteção de fugas.”
Pode ler-se, na peça jornalística, que a Aquapor “conta com uma faturação anual de 110 milhões de euros e um lucro de 14 milhões (resultados de 2019) e tem em Portugal 14 concessões de distribuição de água, que cobrem 70 municípios.”
Os 60% a 70% de “perdas” revelados pelo presidente da Aquapor, fizeram-me “espreitar” o relatório no âmbito do PENSAAR 2020, Plano Estratégico de Água e Saneamento. Esse documento indica que a perda média de água dos municípios, ronda os 30%.
Também estranhei, na mesma entrevista, que o gestor da Aquapor “atacasse” os seus potenciais clientes – os municípios que ainda não têm a honra de terem as suas águas e resíduos sob a sua superior gestão.
Numa determinada altura da entrevista, o dirigente da Aquapor, depois de ter procurado salientar os benefícios da gestão privada das águas, admite que “há uma publicidade negativa nos meandros decisórios porque um ou outro projeto [gerido pelos privados] não correu bem”. Aponta um caso recente de resgate de uma concessão em Mafra, com o município a recuperar a atividade que tinha sido entregue à chinesa BeWater.
Mafra foi o primeiro município a decidir a privatização das águas em 1994. Mas também foi o primeiro a reverter essa concessão reconhecendo que a privatização não servia o interesse público. Uma das razões para essa rescisão foi o operador privado Be Water, ter apresentado um pedido de aumento de tarifas em 30 %. Acompanhei estes “movimentos”, enquanto cliente, em A-Da-Perra (Mafra).
A possibilidade de as autarquias terem acesso a verbas para resgatar concessões, também mereceu a crítica de António Cunha, porque “dá cabo de um setor que existe há 30 anos, investiu 1,2 mil milhões de euros e emprega milhares de pessoas.”
O gestor não esclarece, na entrevista, se a Aquapor teve acesso a verbas para criar e desenvolver o negócio que gere. O mesmo acesso que critica às autarquias, por terem a possibilidade de a ele recorrerem para se libertarem da sua gestão.
Defendo, como tantos outros, a criação de condições que permitam facilitar a remunicipalização dos serviços privados ou intermunicipalizados, mediante a anulação de contratos abusivos, por vezes a roçar a ilegalidade.
A venda de empresas nacionais significa sempre um empobrecimento para o País. E a Aquapor vendeu a Àgua Pública dos municípios em que atua. Quem se seguirá?
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