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Câmara entrega obra de 24 mil euros a empresa da autarca das Gândaras

PSD denuncia ao Ministério Público ajuste direto de Luís Antunes a Sandra Fernandes, que pode resultar em perda de mandato para ambos

Um contrato por ajuste direto entre a Câmara da Lousã e a empresa Sétimo Sentido, cuja sócia maioritária é a presidente da Junta de Freguesia das Gândaras, Sandra Fernandes, levou o PSD a apresentar queixa ao Ministério Público (MP).

Em causa está a obra de alteração dos balneários do pavilhão desportivo nº 2 da vila da Lousã, com valor a rondar os 24 mil euros, entregue sem concurso àquela empresa através de um contrato assinado, no dia 2 de fevereiro, entre o socialista Luís Antunes e Sandra Fernandes, também eleita pelo PS, na qualidade de representante da empresa adjudicatária, na qual detém 75% do capital.

A situação foi denunciada pelo PSD na última reunião da Assembleia Municipal (AM), no dia 25 de fevereiro, na qual Sandra Fernandes tem assento por inerência.

No período de antes da ordem do dia, António José Gonçalves questionou o presidente da Câmara sobre a prática do alegado crime com argumentação que viria a integrar a participação ao MP, subscrita pelo vereador único do PSD no executivo municipal, Victor Carvalho.

Referindo-se “aos participantes e às assinaturas”, Luís Antunes respondeu que esta era uma situação que não “tinha bem presente” e que “iria averiguar”. Informou que o procedimento em si “é um trabalho complementar de uma empreitada geral de beneficiação do pavilhão, alvo de consulta a mais do que uma entidade”.

A obra de maior dimensão refere-se à requalificação do pavilhão desportivo nº 2 da Lousã, que fora adjudicada em regime de consulta pública, por cerca de 208 mil euros, à sociedade unipessoal Sétima Geração, detida por José Miguel Vaz. O sócio gerente desta empresa, à qual a Câmara já adjudicou neste mandado quatro empreitadas, num total que ronda os 270 mil euros, é também detentor de 25% da Sétimo Sentido, cuja participação maioritária (75%) pertence à sua irmã, Sandra Fernandes. O Trevim questionou a presidente de Junta das Gândaras sobre o ajuste direto à Sétimo Sentido para o referido “trabalho complementar” à “empreitada geral” concretizada pela Sétima Geração, outra empresa da família. Sandra Fernandes disse apenas estar “de consciência tranquila”. “Não tive qualquer interferência na decisão de adjudicação, deixando a minha tomada de posição para breve, em momento e instâncias adequadas”, referiu, lamentando ver “honra e profissionalismo” pessoais postos em causa “num jogo político”.

Câmara anula contrato depois da denúncia

Já depois da denúncia, a adjudicação da empreitada foi anulada pelo presidente da Câmara, Luís Antunes, que ordenou também um inquérito interno nos serviços da autarquia. Em resposta ao Trevim, o gabinete de comunicação da câmara disse apenas que “toda a instrução do procedimento foi levada a cabo pelos serviços técnicos do município” como “a escolha do tipo de procedimento, empresas a convidar, análise da proposta e elaboração do projeto da decisão de contratar”.

Victor Carvalho, do PSD, considera que “dada a situação” os autarcas “não têm condições para continuar nos cargos”. Na sua opinião, “é de muito má fé” que Luís Antunes “se esteja a escudar nos técnicos, quando tem obrigação de conhecer a lei que rege o seu cargo”.

PSD invoca lei e acórdão do Supremo Tribunal Administrativo

Lembrou o PSD que “a lei determina a proibição das câmaras municipais contratarem empresas de presidentes de junta de freguesia do município”, invocando um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de março de 2020, que passou a reforçar o Estatuto dos Eleitos Locais.

“O sócio e único gerente de uma sociedade empreiteira que seja, simultaneamente, presidente de uma junta de freguesia e, por inerência, membro da assembleia do respetivo município, está impedido de celebrar contrato de empreitada entre essa sociedade e este município”, segundo o STA.

Também a lei do regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, no artigo 9.º, já previa o impedimento desta contratação.

“Os titulares, (…) por si ou nas sociedades em que exerçam funções de gestão, e as sociedades por si detidas em percentagem superior a 10% do respetivo capital social, ou cuja percentagem de capital detida seja superior a 50 mil euros, não podem (…) participar em procedimentos de contratação pública”. Para o PSD da Lousã, “a gravidade provocada pela falta de transparência neste procedimento obriga a esta denúncia, pois o contrato celebrado (…) preenche ilícitos criminais que implicarão a perda de mandato”, reconhecido nos termos do artigo n.º 2 da Lei da Tutela Administrativa.

O que diz lei dos ajustes diretos

As autarquias, nos contratos que celebram com particulares, estão obrigadas a obedecer a leis muito específicas, nomeadamente ao Código dos Contratos Públicos (CCP).

Este código restringe a liberdade de escolha de uma autarquia na altura de firmar contrato com uma entidade particular. O ajuste direto para uma empreitada não pode ultrapassar os 30 mil euros, como refere o artigo 19.º do CCP.

Para se poder celebrar um contrato de empreitada até 150 mil euros, a lei exige que se faça uma consulta prévia a três empresas.

Todos os demais valores acima dos 150 mil euros obedecem à realização de um concurso público transparente, aberto a todas as empresas interessadas.

O contrato em causa tem um valor de cerca de 24 mil euros. Como tal, poderia ser realizado por ajuste direto. Contudo, as autarquias não podem celebrar um número ilimitado de ajustes diretos. Este número está limitado pelo artigo 113.º do CCP.

Assim, no caso em apreço, a partir do momento em que o presidente da Câmara da Lousã fez um ajuste direto de 24 mil euros à Sétimo Sentido, o próximo ajuste à mesma empresa não poderá ultrapassar os 6.000 euros, para não ultrapassar o máximo de 30 mil euros permitido pela lei.

Este travão tem levado vários empresários a criar diferentes empresas para assim contornarem a lei dos ajustes diretos.

É como se um empreiteiro fosse sócio de várias empresas de construção civil, de forma a que num determinado ajuste direto avance com a empresa A, noutro ajuste direto possa avançar com a B e por aí fora.

Tags: 1452 | Destaque
Autor: Soraia Santos

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