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Misericórdia paga indemnização de 85 mil euros com hospital destruído

A Santa Casa da Misericórdia da Lousã (SCML) indemnizou em 85 mil euros a ex-arrendatária do antigo Hospital de São João, apesar de esta nunca ter pago rendas e ter deixado o edifício completamente destruído no seu interior.

O provedor, João da Franca, disse que o montante foi liquidado em maio, após a SCML ter chegado a acordo com a empresa Prevenir e Cuidar – Serviços Médicos e de Enfermagem, com sede em  Odivelas.

“Se fosse em tribunal, demoraria muito mais a resolver. Tenho isto atravessado na garganta”, lamentou ao Trevim João da Franca, que dirige a instituição há cerca de 30 anos.

A Santa Casa “está agora em negociações” com um grupo do setor da saúde interessado em instalar vários serviços no imóvel.

O Centro de Saúde da Lousã (CSL) funcionou no local, até finais de 2014, data em que foi transferido para as novas instalações, fora do perímetro da vila.

Embora tenha sido construído com dinheiros públicos, nos anos 80 do século XX, o prédio pertence à Misericórdia, que recebia do Estado uma renda mensal de 7.500 euros.

Segundo o contrato de arrendamento que o provedor firmou com a diretora técnica da Prevenir e Cuidar, Ângela Ferreira, a empresa estava interessada em “restaurar aquele edifício e recuperar a sua funcionalidade”.

Elaborado por uma advogada da Lousã, o documento, facultado a este jornal, estabelecia que as obras ficariam “por conta da arrendatária, mediante compensações acordadas neste contrato e eventualmente em protocolos complementares”.

O contrato teria a duração de 30 anos, entre 2016 e 2046, podendo ser “automaticamente renovado por períodos sucessivos de dez anos”.

O lançamento da primeira pedra foi realizado à entrada do antigo hospital, em 24 de junho de 2017, no âmbito das comemorações do dia de São João e feriado local, com um ato público em que participaram, além do provedor da Santa Casa, o presidente da Câmara, Luís Antunes, a promotora do empreendimento, Ângela Ferreira, e o marido desta, António Neves Pedro.

“Este é o projeto da minha vida. Sou enfermeira chefe numa IPSS em Lisboa e encontrei aqui condições favoráveis”, afirmou a profissional de saúde, segundo notícia do Trevim publicada logo a seguir, a 6 de julho.

Ainda no decorrer da cerimónia, João da Franca, Luís Antunes e Ângela Ferreira iniciaram simbolicamente a demolição do interior do edifício, trabalho depois confiado na íntegra a uma empresa local.

Cinco meses antes, em 19 de janeiro, a Misericórdia, na sua página da internet, anunciava para o hospital “um grande projeto de prestação de cuidados de saúde com internamento, nomeadamente, cuidados continuados integrados”, bem como “unidade de cuidados paliativos [com 27 camas] e estrutura residencial”.

Considerado pela SCML “uma mais valia para o concelho”, o empreendimento incluiria também “serviços gerais de prestação de cuidados de saúde, tais como médico permanente 24 horas, análises clínicas, serviço de radiologia e imagiologia, centro de fisioterapia e reabilitação e unidade de hemodiálise”.

A assinatura do contrato tinha sido realizada no 31 de dezembro de 2016, na Capela da Misericórdia, na presença dos pais e do marido da empresária de Odivelas, de acordo com a instituição.

O processo foi mais tarde interrompido, quando a arrendatária concluiu o desmantelamento do interior do antigo Centro de Saúde.

Em 25 de outubro de 2018, o Trevim divulgou a demissão de dois mesários, Hermínio Almeida e Manuel Parola Gonçalves, num contexto de dificuldades financeiras da Santa Casa.

Na altura, já estavam parados os trabalhos no hospital, alegadamente para serem “pedidos orçamentos para a segunda fase, (…) implantação das  respostas sociais” por parte da Prevenir e Cuidar.

A 29 de novembro de 2019, o provedor reeleito informou os irmãos, em assembleia, da possibilidade de uma rescisão do contrato de arrendamento em 2020, o que veio a acontecer, em maio, através de negociações cujo desfecho passou pelo pagamento de uma indemnização de 85 mil euros à empresa.

Uma fonte ligada ao processo, que preferiu não ser identificada, confirmou ao Trevim que “o hospital foi completamente esventrado e todo o equipamento vendido a peso para a sucata”.

 Numa reunião da assembleia geral, presidida por Filomena Oliveira, em 30 de novembro de 2017, com o arrendamento em vigor, foi autorizada a alienação do Hospital de São João, aprovada por 18 votos a favor, cinco votos contra e uma abstenção.

Hermenegildo Curvelo foi uma das vozes que no momento questionou o negócio.

“Como se pode vender um bem deste valor sem ser consultado o mercado através da publicitação em jornais?”, perguntou o associado, que leu uma interpelação escrita, agora citada pelo Trevim.

O assunto, alertou, estava “a ser tratado sem o grau de transparência que devia merecer, para salvaguarda do interesse da instituição”,  

 João da Franca disse na altura ter recebido da arrendatária uma proposta de compra que chegou a ser fixada em um milhão e 900 mil euros, a qual acabaria por não se concretizar.

Um generoso contrato de arrendamento

A renda mensal acordada com a Prevenir e Cuidar era de 9.000 euros, mais 1.500 do que a Santa Casa recebia do Estado pela utilização do Hospital de São João.

O montante seria “atualizado anualmente”, mas apenas “a partir do quinto ano de vigência” do contrato, firmado em 2016.

“Durante o período da realização das obras necessárias para o exercício de atividade, não será devido o pagamento da renda”, acordaram as partes.

Com os trabalhos terminados, a empresa de Odivelas ainda beneficiaria “de uma redução de rendas”, pagando 25%, 50%, 50% e 75% durante dois anos, nos primeiro, segundo, terceiro e quarto semestres, respetivamente.

As partes só considerariam “as obras concluídas com a entrada do primeiro utente nas instalações”.

“Em caso de abandono do imóvel ou resolução do presente contrato durante o período de obras, por incumprimento da segunda outorgante”, seria esta a responder “pelos danos e deteriorações que o imóvel apresente, a quantificar em resolução de sentença”.

Em tribunal, “demoraria muito mais a resolver”, diz o provedor. Apesar das dificuldades financeiras, a instituição, criada há 454 anos, preferiu indemnizar a arrendatária em 85 mil euros.

Casimiro Simões

Tags: 1444 | Concelho | Destaque
Autor: Jornal Trevim

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