Regras para conter pandemia isolam os mais idosos. Utentes da Santa Casa da Misericórdia da Lousã (SCML) veem familiares à distância
Já lá vão oito meses desde que a pandemia de Covid-19 alcançou Portugal e não há anúncio de quando irá terminar. Os portugueses vivem hoje regulados por novas regras sanitárias como o distanciamento social, incluindo os mais idosos que, desde cedo, foram classificados com estando em maior risco. Neste âmbito e a nível local, o Trevim tentou perceber o impacto que aplicação destas normas está a ter nos cerca de 80 utentes da ERPI que, atualmente e por tempo ainda indeterminado, estão impedidos de abraçar os seus familiares, à semelhança do que acontece em estruturas idênticas, um pouco por todo o país.
Para Joana Cardoso, psicóloga da SCML, os efeitos do distanciamento social, quer entre utentes quer com os familiares, são já bastante visíveis. “Sei que todas as medidas são necessárias e ainda bem que estão a ser implementadas mas obviamente que vai haver aqui um declínio a nível cognitivo e mental” disse em ao Trevim, convicta de que “a Covid-19 mata, mas a solidão também”. Joana Cardoso faz atividades de estimulação cognitiva com os utentes, para “tentar que não haja um declínio ainda maior e preservar algumas das capacidades que ainda tenham”. É importante, considera, “haver alguma distração ativa, para que não estejam parados a olhar para o ontem”.
A situação pandémica “não tem sido fácil de gerir nem de transmitir”, uma vez que há idosos “estão numa fase que já não lhes permite perceber o porquê de estarem a falar com os filhos através de um vidro”. Na SCML cada utente pode receber apenas uma visita presencial por semana, no máximo de 20 minutos, com acompanhamento de técnicos da instituição. Nesse período não pode haver contacto físico com os familiares e para dentro das instalações não passam quaisquer tipo de alimentos ou objetos. “A saudade é muita, alguns idosos ainda iam passar os fins de semana a casa, iam almoçar a casa dos filhos, e tudo isso faz muita falta”. Os utentes estão atualmente separados por três alas, cada uma com uma técnica atribuída semanalmente, e ali passam todo o dia, para que haja o mínimo contacto possível. Uma situação que alguns, pelas suas limitações cognitivas não compreendem, aliás, “estavam habituados a poder falar com toda a gente”. “Vamos tentando minimizar a solidão através da realização de vídeo chamadas, das visitas através do vidro, de conversarem comigo e partilhar as angustias, às vezes o que lhes falta é ter alguém com quem falar”.
Em certos casos, o lado negativo do distanciamento social foi bastante sentido. Joana Cardoso lembra-se “da morte inesperada e repentina de uma utente, cuja filha não se pôde despedir dignamente, a última vez que viu a mãe foi através de um vidro”.
João da Franca, provedor da SCML, reforça que os idosos “reagem mal e com muita tristeza ao facto de não poderem abraçar os familiares” durante a visita, observando que “o carinho faz-lhes muita falta”. Havendo uma tristeza “notória” pela grande necessidade de contacto familiar, “agora não há nada a fazer, para o bem deles, dos familiares e de todos”.
Segundo o provedor, cerca de 40 funcionários foram já testados à Covid-19, dos quais 22 testaram negativo e os restantes estavam, até à data de fecho desta edição, a aguardar os resultados.
Manter as atividades dentro do possível
Tânia Torrinha é animadora na SCML e em conversa com o Trevim explicou que, apesar do contexto trazido pela Covid-19, os utentes continuam a participar em atividades, embora agora não possam fazê-lo em grupo. Tudo foi reajustado e individualizado.
As grandes atividades “que tínhamos, com professores de música, teatro e educação física foram suspensas, porque exigiam a entrada de pessoas externas nas instalações e isso não pode acontecer”.
Atualmente, cada técnica vai realizando ações na sua respetiva ala com um máximo de dois utentes cada uma, o que inclui, por exemplo, passeios ao espaço exterior, quando as condições meteorológicas permitem, trabalhos manuais bem como exercícios de expressão musical e corporal.
“Jogamos ao dominó e ainda na semana passada jogámos à malha, e em ambos os casos, em que um está de um lado e outro do outro, não há contacto, aliás, até as malhas também são individuais”, esclareceu a profissional.
Para este mês estão agendadas descamisadas e um magusto, adaptados às condicionantes dos utentes e destes tempos. O objetivo é “tentar manter a rotina deles consoantes as limitações que agora temos”.
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