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O fascismo é uma minhoca

Casimiro Simões

Há 45 anos, na Lousã, a vitória do MFA sobre o fascismo, com o regime opressor a tombar como um baralho de cartas, o regresso da liberdade só foi verdadeiramente festejado ao fim de uma semana de acontecimentos meteóricos, no 1º de Maio, cuja celebração livre a Junta de Salvação Nacional acabava de repor. Inevitavelmente, como um rio impetuoso, a liberdade inundou os mais íntimos poros da sociedade portuguesa e rapidamente encheu de júbilo também, depois das grandes cidades, os sítios mais recônditos de um país oprimido havia quase meio século, desde 1926.

Lisboa, claro, viveu com especial intensidade a ação do Movimento das Forças Armadas (MFA), que depôs o governo de Marcello Caetano, afastou Américo Thomaz da chefia do Estado, aboliu a censura e dissolveu a PIDE e a Legião Portuguesa. Como canta Sérgio Godinho, o fascismo “é uma minhoca que se infiltra na maçã”. Não é?

Por cá, das muitas imagens da grande manifestação do Dia do Trabalhador de 1974, foi preservada pela antiga Foto Império uma excelente coleção, agora na posse da Câmara Municipal, ao que sabemos. Ironicamente, o imóvel que durante décadas acolheu essa casa de fotografia, na rua do Comércio, está em riscos de ruir. Na montra, onde as fotos de há 45 anos estiveram expostas longo tempo, medram agora fetos vários e uma fumária, mais conhecida por erva-moleirinha, boa para galinhas, fatal para coelhos! Eu próprio, então com 14 anos, tenho o gosto de me encontrar entre a multidão eufórica, em várias dessas fotos. Algumas, que o Trevim, aliás, divulgou após o derrube da ditadura e foram aqui publicadas noutras ocasiões, designadamente para assinalar a efeméride democrática, foram agora difundidas pela autarquia.

Uma delas foi tirada da varanda dos Paços do Concelho, quando, de novo em liberdade, estávamos muito longe de antever um edifício público desfigurado, mesmo profanado, em 2016, quando foi ignorado o projeto original do arquiteto Moura Coutinho, espezinhando a lei e a participação democrática, valor maior da Revolução de Abril. Reencontrei-me nesse documento histórico, a olhar para a varanda em que hoje me não revejo, como nesse tempo, onde também estão amigos e conhecidos, incluindo grupos que foram depois embriões de partidos que viriam a ter importante atividade política na Lousã: PS, PPD, MDP e PCP, mas também UDP. Entre os vivos, na ponta direita da imagem, podemos ver o então sindicalista Aires Ventura, futuro autarca da UDP e do BE, que partilhava com outro camarada papeleiro uma faixa com a frase; “Viva o socialismo”.

Ao lado, estão o músico José Adelino Sales, o empresário gráfico Rui Duarte, o escriturário Fernando Ferrer e o bancário Joaquim Pereira de Melo (depois militante do MDP e presidente da Comissão Administrativa da Câmara), todos já falecidos, entre muita gente que ouvia os discursos, proferidos na varanda pelos ex-presos políticos Louzã Henriques e Carlos Almeida e pelos jovens Manuel Cabral e Luís Gonçalves, entre outros oradores. Num pequeno dístico, que exibiu na concentração e no desfile de milhares de pessoas e com o qual deu voltas à vila no táxi do popular Manuel da Chapinha, o eletricista Norberto Geada sentenciava com regozijo: “Acabaram-se os tachos!”.

Acabaram mesmo?

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Autor: Carlos A. Sêco

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